Quando Eu Me Encontrar

Dirigido por Amanda Pontes e Michelline Helena, 2023

CRÍTICAS

Breno Matos

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UM OLHAR SOBRE A ESTÉTICA E O LUTO

O cinema cearense, e de forma mais ampla, o nordestino, vem ocupando um lugar de crescente destaque no cenário cinematográfico brasileiro, impulsionado por uma nova geração de cineastas que têm desafiado as limitações técnicas e financeiras para contar histórias profundamente enraizadas em suas realidades regionais. Filmes como "A Filha do Palhaço", dirigido por Pedro Diógenes, "Estranho Caminho" de Guto Parente, "Greice" de Leonardo Mouramateus, e outros, exemplificam essa força emergente. Embora muitas dessas produções enfrentem dificuldades em termos de recursos técnicos, elas demonstram uma nova vitalidade no cinema brasileiro, trazendo narrativas mais sensíveis. Nesse contexto, "Quando Eu Me Encontrar", de Amanda Pontes e Michelline Helena, chega como mais um exemplo dessa efervescência criativa, destacando-se pelos prêmios conquistados no Festival Olhar de Cinema, o que reforça a relevância do cinema cearense contemporâneo.

"Quando Eu Me Encontrar" conta a história de Dayane, uma jovem que, sem muitas explicações, decide abandonar sua família, seu noivo e sua vida anterior, deixando apenas um bilhete de despedida. Sua partida abrupta afeta profundamente aqueles que ficaram para trás: sua mãe Marluce, que tenta esconder o choque da perda; sua irmã mais nova, Mariana, que enfrenta dificuldades na nova escola; e Antônio, o noivo de Dayane, que se vê desamparado e em busca de respostas para o vazio deixado por ela. Acompanha o impacto emocional desse abandono, explorando como cada um dos personagens tenta lidar com o luto e o sentimento de perda enquanto buscam compreender os motivos por trás da decisão de Dayane.

A principal temática de "Quando Eu Me Encontrar" gira em torno desse luto, mas não aquele causado pela morte, e sim pelo afastamento inesperado e permanente de alguém querido. A sensação de mal-estar e solidão permeia a vida dos personagens, cada um lidando de forma particular com essa dor. Marluce, por exemplo, recorre à negação, evitando demonstrar seus sentimentos, enquanto Mariana enfrenta o bullying e o isolamento em sua nova escola. Antônio, por sua vez, se torna obcecado por entender os motivos da partida de Dayane, encarando o abandono como uma falha pessoal. A força do filme está justamente na forma como ele explora essas diferentes reações ao luto, mostrando que, apesar de cada personagem viver sua dor de maneira única, todos são igualmente afetados pelo peso da ausência de Dayane.

Na filosofia, a questão do luto e do abandono já foi amplamente discutida. Pensadores como Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir abordaram o mal-estar existencial causado pelo afastamento de um ente querido, sugerindo que, muitas vezes, a dor não reside apenas na perda em si, mas na quebra da familiaridade e na sensação de deslocamento que ela causa. No entanto, apesar de "Quando Eu Me Encontrar" tentar explorar essas nuances filosóficas, o filme esbarra em uma execução que, infelizmente, não consegue sustentar a profundidade de suas ambições. A obra se perde em momentos que parecem amadores, tanto em termos de roteiro quanto de direção, enfraquecendo as intenções originais das cineastas.

Além das temáticas abordadas, o filme enfrenta dificuldades estéticas. As intenções alegóricas, que poderiam elevar a narrativa, acabam sendo diluídas por uma construção linguística que carece de refinamento. O uso simbólico de certos elementos visuais, embora interessante em teoria, falha em sua execução, deixando uma sensação de incompletude. Por exemplo, o uso de cenários que poderiam representar o vazio emocional dos personagens ou a desconexão com o mundo exterior são mal aproveitados, deixando a estética do filme num limiar entre o aceitável e o falho.

Vale ressaltar o uso da iconografia dentro da estrutura do filme. A decupagem tenta criar uma conexão simbólica entre os objetos e cenários e as emoções dos personagens, mas essas tentativas são frequentemente prejudicadas por uma execução limitada. A fotografia, que em alguns momentos busca evocar a solidão e o distanciamento, acaba por ser ineficaz devido a escolhas técnicas que fragilizam a dramaticidade das cenas. As atuações, embora com destaques, como a de Luciana Souza no papel de Marluce, não conseguem elevar o filme de suas faltas mais estruturais. "Quando Eu Me Encontrar" é um filme que tenta ousar na forma e no conteúdo com excelentes temáticas base, mas suas limitações técnicas e estéticas acabam por minar seu potencial, tornando-o um exemplo de como boas ideias nem sempre se traduzem em grandes realizações cinematográficas.

Luciana Souza e Iasmin Dantas em cena de "Quando Eu Me Encontrar"

Breno Matos é um escritor e crítico de cinema, autor dos livros; Por Trás de um Sol e Sobre Pássaros e Caracóis, além de criador do perfil e site Lanterna Mágica, e da premiação amadora de cinema Kurosawa de Ouro.